top of page
  • Foto do escritorEngendre UFPI

OS RECENTES CASOS DE VIOLÊNCIA DE GÊNERO


Durante a semana, dois fatos vieram à tona e expressam a realidade de uma sociedade historicamente violenta contra corpos femininos. Uma criança de 11 anos, vivenciando uma gravidez decorrente de um estupro e uma procuradora, brutalmente agredida no ambiente de trabalho. Nos dois casos, as violências tinham sido denunciadas. No caso da criança, estava garantida a possibilidade do aborto legal, já reivindicada pela família dela. No caso da procuradora, medidas para um processo administrativo haviam sido tomadas, em virtude do comportamento do autor das agressões – também procurador-, com quem convivia no ambiente de trabalho. Idades e contextos diferentes, alvos da reiterada violência, que conta na maioria das vezes com um aparato de proteção aos agressores.

Denunciar, infelizmente, não tem sido suficiente para impedir violências ou agravá-las. As duas situações são muito expressivas para visualizarmos a violência de gênero como um elemento estrutural na nossa sociedade. São as práticas cotidianas que vão reforçando essas relações de poder, são as instituições reforçando as práticas misóginas, é a letargia proposital, garantindo que nada aconteça com os autores das violências quando providências formais são adotadas, desgastando ainda mais quem foi alvo das práticas machistas.

Se enfrentar as violências de gênero requer pressão e o acionamento de mecanismos de proteção e justiça, as dificuldades aumentam para que as mudanças ocorram quando as instituições estão permeadas de práticas comprometidas com uma lógica patriarcal e misógina. Áudios divulgados nos noticiários revelavam a juíza se utilizando do seu lugar de autoridade para induzir uma criança (é preciso repetir mil vezes: uma criança!) a desistir de um aborto assegurado por lei, uma vez que foi vítima de estupro, mobilizando um repertório que apelava para uma suposta afetividade, completamente inadequada para a situação em questão. No caso da procuradora, estando apenas no exercício da sua profissão, acionava um instrumento que regula as condutas de quem deveria estar atuando naquele espaço.

Denunciar as violências é um passo muito importante no enfrentamento. Mas, se as estruturas de poder beneficiam os autores das violências, direta ou indiretamente, quem denuncia é que sai penalizado. Se não fossem as vozes que ecoaram perplexas em todo o país, que destinos teriam esses casos? E quantos outros que não chegam ao conhecimento do público, porque silenciar as vítimas é uma das caraterísticas dessas relações de poder?

Na legislação brasileira, temos instrumentos importantes de enfrentamento da violência, mas sua atuação acaba ocorrendo de forma fragmentada nas situações. Temos uma legislação ampla e complexa que enfrenta a violência, mas seu enfoque é concentrado no âmbito doméstico. Há uma legislação que enfrenta a letalidade motivada pelo gênero, extrapolando o âmbito doméstico, mas ela chega onde a vida já foi perdida para a cultura machista. Temos muitas violências que ocorrem nos vários espaços – para além das casas-, justamente onde elas vão se reforçando, enquanto a sociedade se recusa a discutir as questões de gênero, que parece um tema perigoso demais para ser debatido. E quando as violências ocorrem nos ambientes de educação? E quando a violência misógina se manifesta nos ambientes de trabalho? Que instrumentos permitem enfrentar a violência de gênero – e nomeá-la como tal - quando ela ocorre nas situações não previstas em lei?

A violência é um instrumento sistemático de poder na formação social brasileira. Ela opera como norma, que tenta regular determinados corpos, a todo custo, a partir de uma lógica que combina várias desigualdades e opressões. Se, por um lado, alguns instrumentos normativos existem para coibir violências e, por outro, no plano da cultura a violência também opera como norma, nunca se sabe a priori que lado da balança vai pesar mais. Que aparato encontra uma pessoa que tenha coragem de denunciar uma violência de gênero?

Por esses e tantos outros motivos, os feminismos são fundamentais, a pauta das questões de gênero e de todas as opressões precisa se manter firme, discutida em todos os espaços, num exercício constante de luta por outras formas de viver plenamente.


33 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page