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  • Foto do escritorEngendre UFPI

NOTA DE APOIO A LUARA DIAS



Sapatonas negras caminhoneiras incomodam tanto assim? O engendre acompanhou na última semana a repercussão negativa da dissertação de mestrado em Políticas Públicas, da Universidade Federal do Piauí, de autoria da assistente social Luara Dias. O título "Sapatonas negras caminhoneiras e o mercado de trabalho como um desafio" foi divulgado em uma página conservadora de direita no Instagram, onde sofreu comentários negativos que questionam a legitimidade de uma pesquisa com esse tema, além de xingamentos e agressões.

O termo "sapatonas caminhoneiras" é uma forma de nominar uma expressão da identidade lésbica, inicialmente pejorativa, mas que foi ressignificada pelo próprio movimento. Mas de fato, o que ele significa?

Mulheres que se relacionam com mulheres e não performam uma feminilidade normativa, ou seja, tem uma expressão de gênero "masculinizada". No caso da pesquisa de Luara Dias, especificamente com mulheres negras, a questão racial já é uma marca corporal estigmatizante.

A própria repercussão negativa nas redes sociais e os ataques sofridos confirmam o incomodo com esses corpos que desafiam a norma padrão.

Aprofundando na discussão sobre os limites entre masculinidade e feminilidade, vamos apresentar um texto clássico nos estudos Queer: "Female Masculinity" de Jack Halberstam (1998).

Um ponto principal para compreender o texto são as categorizações em torno da não rigidez da masculinidade ao homem, tanto cisgênero quanto transgênero. O conceito de Female masculinity vem da insatisfação do autor nos estudos acadêmicos que utilizam a categoria lésbica como guarda-chuva para englobar performances de gênero não normativas em corpos biologicamente com o sexo feminino, visto que muitos sujeitos transcendem (não no sentido de superar, mas de não se encaixar) a orientação sexual lésbica, sendo essa categorização limitada para questões de identidade.

Outra questão importante é que este é um texto originalmente publicado em 1998, fortemente influenciado pelo movimento Queer dos Estados Unidos da América (EUA). Então, os conceitos principais são categorizados de acordo com a cena local de corpos biologicamente fêmeas que performavam masculinidade: a butch, o tomboy, a stone butch, transgender, homem trans. Na edição traduzida para o espanhol (2008), o autor faz algumas considerações sobre essas categorias (e a tradução desses termos) e tenta adaptar para a realidade de outros países:


"Na verdade, existem muitas palavras em espanhol para se referir à mulher masculina, como “marimacha”, “macha”, “manflora”, “bucha”, “papi” e “bombeiro”, “caminhoneiro”, “chicazo” e esses termos, usados ​​em diferentes culturas de língua espanhola, indicam a presença nessas culturas de subculturas com gêneros queer para mulheres. Termos como “marimacha” ou “macha” capturam perfeitamente a ideia da fusão de um comportamento masculino com o corpo de uma mulher. No entanto, outros termos, como “bombero” e “camionera”, implicam uma masculinidade relacionada ao trabalho, ou uma noção de classe social ligada à normatividade de gênero; e outros como “chicazo” (tomboy), implicam uma noção de diversidade de gênero baseada na idade. (HALBERSTAM, 2008, p. 1, grifo do autor, tradução livre)."


Pensando sobre a realidade do Brasil, o termo “sapatão”, por exemplo, é utilizado de forma pejorativa para classificar mulheres que têm posturas masculinas, e remete a um acessório de vestimenta, um estilo que geralmente era associado a mulheres que se relacionavam com outras mulheres. No entanto, foi ressignificado pela comunidade lésbica e é amplamente utilizado por mulheres que se relacionam com mulheres, não mais de forma pejorativa. Já o termo “caminhoneira”, que assim como no espanhol, é usado de forma a remeter a uma masculinidade associada com o trabalho e classe social, é utilizado para nominar mulheres com uma postura mais masculinizada, esse também ressignificado pelo movimento lésbico.

Investigar como essas mulheres vivenciam o mundo do trabalho é compreender como a identidade de gênero, sexualidade e raça influenciam nas suas trajetórias de vida.


O Engendre compreende a importância de pesquisas como a de Luara Dias, bem como a necessidade da ampla denúncia e do combate à lesbofobia e todas formas de discriminação LGBTfobica e outras. Desta forma, o Engendre manifesta total solidariedade com a colega, no sentido da defesa da pesquisa e de todas as mulheres pesquisadoras, independentemente do tema que estudem, no desejo de que violências como esta jamais tornem a ocorrer.

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